20 Jul 2016
A Criança Doente e a Morte
A Criança Doente e a Morte
Artigo por Lucy Previato Costa da Conceição
A concepção de morte para a criança inicia-se por considerar a morte do outro
Até o século XIX não se atribuía valor às crianças, sendo assim, se morresse, muitas vezes não tinha nome ou seu nome passaria para outra criança, sendo completamente substituída. A partir da segunda metade do século XIX, as mulheres passam a se preocupar com o destino das crianças mortas, e a imaginá-las num lugar onde não haveria mal, servindo-se delas como anjos ou santos. Atualmente, em nossa sociedade o que prevalece é a negação do tema da morte, como sendo um assunto "tabu", o que dificulta sobremaneira a compreensão do processo de morte pelas crianças. Hoje, o homem passou a ser um Ser consumista, com a ilusão de que obtendo "tudo", obtém também controle sobre as coisas ao seu redor, inclusive sobre a natureza, pessoas e a vida. Além disso, associa-se a morte com "velhice", ela é para os que não produzem mais.
A concepção de morte para a criança inicia-se por considerar a morte do outro, e assim evoluir para a concepção de sua própria morte. Quando a criança pequena experiência a separação, não tem ainda condições de avaliar e planejar essa situação, pois para ela o que não está presente, não existe, ou poderá voltar a existir caso haja nova presença. Para considerar-se a própria morte, necessita-se do pensamento lógico, autoconsciência, e as operações mentais da criança ainda não têm todos os equipamentos necessários para elaborar esse conceito. Neste caso, brincadeiras do tipo: esconde-esconde, morto-vivo, etc., podem auxiliar na construção do conceito de morte.
Portanto, para a criança a noção de morte é estabelecida em cima de dois pontos: a percepção da ausência e a permanência dessa ausência. A criança hospitalizada possui a capacidade de observar situações que ocorrem ao seu redor, e percebe fatos que os adultos tentam ocultar, portanto quando o adulto se nega a esclarecer questões ligadas à morte pode estar atravancando o primeiro passo para elaboração do luto, ou seja, aceitar que alguém desapareceu para sempre.
Acreditar que as crianças não entendem ou que esquecem rapidamente algo que aconteceu, demonstra uma falta de conhecimento sobre quem é de fato a criança, sendo assim, respostas do tipo: "ele foi para o céu", "ele está viajando", "logo estará de volta", "ele recebeu alta", "foi transferido de hospital", além de prejudicar a elaboração do luto pode causar acentuado sentimento de insegurança nas crianças, principalmente nas que estão hospitalizadas. Portanto, é fundamental que as equipes de saúde que atuam com crianças hospitalizadas, esclareçam e facilitem a expressão de sentimentos, fantasias e temores frente à morte, auxiliando assim na elaboração do luto. A criança doente fica sensível para com a morte, consciente ou inconscientemente, uma vez que o próprio processo de adoecer a torna mais próxima de seu corpo, percebendo qualquer sinal de mudança no funcionamento do mesmo, além de notar também a angústia naqueles que estão à sua volta.
Muitas vezes ela pressente sua própria morte, mas não consegue formular esse sentimento, passando então a expressar comportamentos de recusa ao tratamento, à alimentação, pede para voltar para casa, enfim, busca de alguma forma ser acolhida e compreendida em seus temores. Assim, o apoio psicológico intensivo torna-se fundamental para que a criança possa retomar o equilíbrio perdido, evitando reações de pânico ou perda total de controle.
Enfim, para que a criança tenha força para enfrentar a doença, o tratamento e a perspectiva de morte, ela precisa se sentir amada, apoiada, compreendida e respeitada, só assim ela e sua família suportarão o impacto de um diagnóstico e o sofrimento de um tratamento que muitas vezes é agressivo.
Os profissionais das equipes de saúde que trabalham com crianças hospitalizadas, devem ter sempre em mente que: 1. É importante trabalhar a relação com a própria vida e refletir sobre sua própria morte; 2. Repensar os objetivos e ideais profissionais e pessoais; 3. Partilhar as dificuldades e angústias com colegas; 4. Respeitar seus limites emocionais; 5. Manter atividades extra trabalho que lhe propiciem prazer e ajude a liberar as tensões; 6. Considerar sempre, acima de tudo, o paciente; 7. Colocar-se no "lugar de"; 8. Promover e proteger a dignidade do paciente e de seus familiares; 9. Escutar; 10. Ser bem humorado.