05 Ago 2022
Eu Acredito em Psicanálise
Eu Acredito em Psicanálise
Lucy Previato Costa da Conceição
02/07/2022
Lembro-me que há alguns anos usava-se muito a frase “eu acredito em duendes” em adesivos, canecas etc. talvez para identificar algo místico, sobrenatural, mágico, lendário, enfim, enigmático!
Fico refletindo quem é o analista na ideação popular, e por vezes chego a pensar se não seria mais ou menos assim, alguém místico, que lê pensamentos e faz adivinhações.
Porém, sabemos que a psicanálise trabalha baseada em uma construção teórica muito própria e que busca sim, ouvir o que não foi dito e enxergar além do que foi manifesto através de seu caráter investigativo, o que pode provocar uma aura idealizada em torno do profissional da abordagem psicanalítica, profissional esse que estudou e continua a estudar a metodologia, a teoria, as técnicas, os escritos e a história da Psicanálise para então, colocá-la em prática.
Geralmente demoram-se anos para realizar todo esse estudo, ou até mesmo, pode-se afirmar que esse estudo não tem fim, pois exige dedicação e atualização constantes.
Além de todo o conteúdo acadêmico, há também um investimento na própria pessoa do profissional através da análise e da supervisão, afinal estaremos lidando com seres humanos e com seus sentimentos e pensamentos mais delicados e ainda, com as dores de sua alma, portanto, trata-se de um trabalho que exige entre outras coisas, empatia e interesse genuíno no outro, pois se assim não for, o processo psicoterápico fica comprometido.
Através da associação livre e da atenção flutuante ficamos imersos no discurso daquele indivíduo que buscou nosso saber profissional e assim, iniciamos todo um raciocínio clínico que tem objetivos nobres, como facilitar o autoconhecimento e conseqüentemente, o fortalecimento egóico do nosso paciente. Porém, em tempos de modernidade líquida, onde tudo é consumido de modo fugaz, pois as pessoas têm pressa, urgência e estão correndo não se sabe para onde, a ciência da sutileza, do alinhavar pensamentos, resgatar histórias e sentimentos com a delicadeza de uma pluma, a força de um diamante e a paciência de um artesão, muitas vezes é desconsiderada.
Venho observando que o lugar do psicanalista muitas vezes é solitário e que, não raro, é ele quem realiza um trabalho quase que de escultor com determinadas pessoas que chegaram até ele perdidas e destituídas de sua identidade, de seus projetos e até mesmo sem perspectivas. Na medida em que o trabalho psicoterápico começa a acontecer e evoluir positivamente, essas determinadas pessoas passam a obter uma expansão mental sobre si e sobre o mundo ao seu redor, sendo assim, passam a se sentir mais fortalecidas e sentimentos como os de baixa auto-estima, insegurança e ansiedade começam a declinar e a enfraquecer. Seguindo nesse ritmo, esses indivíduos passam a tomar coragem para colocar em prática projetos que até então viviam apenas no mundo das idéias ou nem existiam. Então, eles começam a investir em si mesmos e nesse mundo externo que estão começando a enxergar ou, a enxergar com outros olhos, começam a demonstrar certo encantamento com o que estão vendo, parecendo com aquele alguém que iniciou o uso dos óculos ou submeteu-se a uma cirurgia de cataratas, por exemplo.
Com todo esse movimento, podem surgir sentimentos de alegria e bem estar, tem também o de euforia com seus novos projetos e realizações ou novos relacionamentos, enfim, com a vida nova!
É quando, com essas determinadas pessoas, o psicanalista volta a se parecer com aquele duende citado acima, o lendário, o místico, aquele que não comprova sua eficácia, pois é feito de magia ou de um “artesanato” lento...
E então, elas vêm relatar sobre o que está dando certo em suas ações, e citam os inúmeros benefícios do medicamento que o psiquiatra receitou, ou sobre o quanto a academia está sendo importante, ou por que não procurou a yoga há mais tempo, e ainda, se não fosse a meditação, o reiki, as ervas, a benzedeira ela não teria melhorado, e mais uma infinidade de benfeitores que são beneficiados com sua gratidão.
Muitas, apesar da evolução, ainda não conseguem visualizar que para conquistar essas ações na busca de algo novo para si, houve um trabalho de fortalecimento de seu ego que aconteceu lá nos bastidores, no campo obscuro de seu inconsciente, nas conversas articuladas com seu superego (alguns bem severos por sinal), e que para isso foram utilizadas técnicas psicanalíticas, investigativas e interpretativas, baseadas em muitos anos de estudos e comprovações.
É importante ressaltar que não se trata de desdenhar de todos esses outros caminhos que alguns dos analisandos buscam durante a trajetória da análise, caminhos esses que talvez transmitam a sensação de obtenção de resultados rápidos e evidentes, inclusive entendo que são positivas essas tomadas de ações e decisões, e que mais um tanto de percurso e estarão mais conscientes, mas sim, de provocar uma reflexão sobre o papel que ocupamos no imaginário das pessoas, claro que com exceções, visto que muitos possuem visão abstrata e alcançam a importância do trabalho psicanalítico dentro de todo o processo do seu desenvolvimento pessoal. Mas e o profissional?
Estaria colaborando para essa idealização de que a psicanálise é algo mágico ou consegue atuar dentro de uma proposta fundamentada em dados reais, concretos, e com a transparência de uma teoria cuidadosamente construída, fazendo jus a todo o trabalho iniciado e desenvolvido pelo Dr. Sigmund Freud?
Quanto a mim, eu acredito em psicanálise!