13 Mai 2023
A clínica como espaço de construção
A CLÍNICA COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO
Lucy Previato Costa da Conceição
13/05/2023
Quando um indivíduo chega ao espaço terapêutico vai movido por algum sentimento de angústia, muitas vezes conseqüência de uma falta, de um vazio.
Chegar até ali já indica algum nível de força de ego, uma vez que para isso precisou enfrentar várias emoções, como por exemplo: o medo!
Ele pode imaginar o que o profissional vai pensar sobre ele, ensaia o que vai dizer, tenta escolher as palavras, pensa em desistir de ir ou em manter bem escondido o real motivo de seu agendamento, talvez sem ter consciência sobre esses detalhes.
Possivelmente idealiza o profissional que irá atendê-lo, como sendo o sujeito suposto saber, aquele que sabe tudo sobre ele sem nem mesmo conhecê-lo!
Já na primeira sessão, o psicanalista precisa tomar o cuidado de não reforçar essa idealização, evitando com todo vigor interpretações precipitadas, respostas prontas e clichês e ainda, proporcionar um ambiente acolhedor para que aquela pessoa sinta-se minimamente à vontade para se expressar, o que facilitará, inclusive, ao profissional avaliar se será possível a aliança terapêutica e o desenvolvimento da análise.
Caso prossigam na dupla terapêutica será dado o início a um trabalho de construção, onde a cada sessão será colocado um “tijolo” nessa edificação.
Isso se consegue através da troca, da empatia, da escuta qualificada, do vínculo e do quanto o profissional possui respaldo técnico e pessoal para ser sensível no momento de receber e de interpretar a demanda do analisando.
Se assim for, a possibilidade de não haver resistências é grande e o trabalho de construção flui satisfatoriamente, gerando insights e favorecendo que o indivíduo adquira autoconhecimento.
E a cada “tijolo” adquirido, o indivíduo tem a possibilidade de se fortalecer e de desenvolver a consideração positiva por si mesmo, passa então a perceber que é ele próprio quem está conduzindo o trabalho terapêutico, pois através da associação livre pode trazer à tona questões fundamentais de sua vida psíquica, e assim, deixa de idealizar a figura do analista como alguém que possui um saber muito superior ao seu e passa a vê-lo como um facilitador dessa construção de si.
Afinal, estão pensando juntos! Levantando e muitas vezes até derrubando hipóteses, questionamentos, afirmações e investigações, sim, pois o trabalho investigativo na busca de dados significativos sobre a vida daquela pessoa só é possível se ela permitir, consciente ou inconscientemente.
Muitas vezes o fato de se ouvir falando sobre algum tema, já leva o indivíduo a insights e, conseqüentemente, a conclusão de algum conflito ou a compreensão de algum sintoma que até então o dominava e o adoecia.
Mas todo esse processo requer entrega da dupla, através da presença, da perseverança, do trabalho “artesanal” de assentar “tijolos”, sem pressa, sem desejo e sem cobrança, mas com compromisso e respeito entre as partes e consigo próprios, pois se não houver qualquer um desses itens, a construção é colocada em risco. Pode-se perder ou retroceder nela, e muitas vezes, o recomeçar faz parte, e novamente vai exigir paciência e determinação com o processo de autoconhecimento e fortalecimento de ego.
A falta de engajamento, de credibilidade, de respeito com o setting terapêutico, a pressão para resultados rápidos e superficiais, são exemplos de fatores prejudiciais ao bom andamento da análise. E isso serve tanto para analistas quanto para analisandos.
A forma como o analisando lida com sua análise, muitas vezes mostra como ele lida com sua própria vida e consigo. E é importante que ele perceba isso, pois o trabalho é para ele e sobre ele.
Ao analista cabe ter autoconhecimento e técnica para identificar quando ocorre transferência e contratransferência, discutir sobre isso em sessão e transformar esse processo em algo produtivo, mas ele também pode identificar se o indivíduo que buscou seu atendimento acredita em psicanálise, se está disposto ao trabalho seriado sem previsão de fim, se sua demanda é possível de ser atendida nessa abordagem terapêutica e, enfim, pode chegar à conclusão que é melhor orientar aquela pessoa a buscar outro tipo de atendimento. Afinal, esses podem ser critérios de contra-indicação para o trabalho analítico, e nesse caso é melhor e mais prudente não iniciar para que não tenha que ser interrompido posteriormente por qualquer um dos envolvidos, o que pode ser negativo para ambos.
Como toda boa obra que se preza, a preocupação com a prevenção também é importante!
E com a construção do trabalho analítico não seria diferente!
Então por que algumas pessoas obtêm êxito e outras não? Por que muitas ficam pelo caminho enquanto outras conseguem construir o caminho?
São perguntas muito abstratas e que requerem respostas muito abrangentes e relativas, pois se tratam do objeto de estudo e de trabalho que é o ser humano! Com suas singularidades, ritmos e diferenças. Cada um com sua história, com seu modo de existir e de se posicionar diante da vida! E o que nos atrai nesse estudo é justamente o quanto o ser humano é fascinante em sua subjetividade surpreendente, que nos leva a querer conhecer mais e mais.
Que sigamos assim, na construção da obra em cada um de nós, seres humanos.